Audiência pública na Câmara expõe necessidade de avanços em políticas públicas para comunidade surda

A Câmara de Vereadores de Blumenau realizou, na noite desta quarta-feira (5), no Plenário da Casa, uma audiência pública com a Associação dos Surdos de Blumenau (ASBLU), para debater projetos e assuntos como desenvolvimento inclusivo, identificação de problemas, acessibilidade e representatividade. O debate atendeu ao Requerimento nº 795, de autoria do vereador Bruno Cunha (Cidadania), e foi aprovado pelos demais parlamentares.

Além do vereadores, estiveram presentes Liliane Soares, representando a Associação Blumenauense de Amigos dos Deficientes Auditivos (ABADA); Rafael dos Reis Abreu, Vice-Diretor da UFSC, Campus Blumenau; Romeu Horst Fritzke, Diretor na Secretaria de Desenvolvimento Social (SEMUDES); a ex-vereadora e ex-secretária da Seidep e idealizadora do Paradesporto em Blumenau, Gisele Margot Chirolli; Liliane Vieira, representando o Centro Municipal de Educação Alternativa (CEMEA); Marcela de Souza, representando o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPED); Patrícia Manetta, representando a Sociedade Cultural Amigos do Centro Braille de Blumenau (ACBB); Walter Souza, representando o Conselho Municipal de Saúde e a ex-vereadora Mirim Jolie Weber.

O vereador Bruno Cunha recordou que no último mandato teve a possibilidade de fazer outra audiência pública que foi fundamental para identificar alguns dos problemas nessa área e trabalhar de forma conjunta para muitas das ideias saírem do papel. Disse que não nega o quando já se avançou na cidade em relação à inclusão da comunidade surda. Ressaltou orgulho pela escola bilíngue Oscar Unbehaun, onde as crianças também aprendem LIBRAS, e pelos cursos extensivos à comunidade ofertados após indicação de seu mandato. “É preciso construir um legado de pessoas que aprendam Libras para desenvolver respeito, empatia e para construirmos de verdade uma sociedade mais inclusiva”, ressaltou.

Lembrou ainda a lei aprovada na Câmara para que as pessoas da comunidade surda, quando fizerem concurso público, possam ter os mesmos direitos de competitividade em relação às pessoas que não são dessa comunidade. Disse que ao final da audiência deseja sair com um calendário de ações, de estudos, para fazer todos os encaminhamentos possíveis, como na última audiência proposta para esse público. “Essa é, sobretudo, uma pauta humana e uma pauta que deve envolver as pessoas que têm e as pessoas que não têm deficiência”.

André Felipe do Nascimento, representante da Associação dos Surdos de Blumenau – Asblu, pediu melhorias no edital do concurso municipal para professor ACT, que prevê um professor intérprete, que precisa ser ouvinte. Ele pontuou que o papel do intérprete é repassar a informação para o aluno surdo, e não ensiná-lo, e pediu a diferenciação no edital. Também disse que ao invés de instrutor de LIBRAS, o correto seria professor de LIBRAS. Ainda disse que o edital para contratação de ACT não prevê a questão da tradução e interpretação de LIBRAS, e é necessária essa especificação mais clara. Também pediu que nesse concurso haja uma banca para avaliarem a competência, a fluência, a capacidade e habilidade dos intérpretes.

Apontou que existem intérpretes do município que não estão habilitados para o papel que estão atuando, para realizar sua atividade dentro da sala de aula e isso prejudica os alunos surdos. Também solicitou que o currículo, as diretrizes e bases do sistema de educação, e todo o material disponível para os ouvintes também sejam acessíveis para os surdos, pois pode faltar compreensão apenas pela leitura dos documentos. Apontou a necessidade de que os eventos e cursos de formação continuada também estejam disponíveis para os professores surdos. Sobre o CEMEA, pediu um profissional que possa fazer uma ponte entre os pais e o filho surdo, para que os pais compreendam o trabalho que é feito no Centro. Pediu ainda mais clareza e comunicação entre os profissionais que atuam no CEMEA e na escola bilíngue de LIBRAS, além de um profissional surdo que possa fazer essa ponte, criar os materiais e ser responsável pelos professores surdos. Ao final, pediu por um intérprete de LIBRAS dentro da Seidep, inclusive ofertando inclusão dos surdos nas redes sociais da secretaria.

Rafael dos Reis Abreu, representando a UFSC, anunciou que neste ano de 2024, ano em que a universidade está completando 10 anos em Blumenau, o INES, o Instituto Nacional de Educação de Surdos, aprovou o curso de Letras, Habilitação em Libras no formato EAD. Disse que a expectativa é que esse curso inicie ainda este ano, em agosto, com as atividades acontecendo na Rua João Pessoa. Segundo ele, a expectativa é que haja um encontro presencial a cada duas semanas. “Temos infraestrutura, temos corpo técnico que conta com professores da UFSC de Florianópolis e também com tutores que serão contratados pelo INES”, disse, acrescentando que a instituição está imensamente feliz em poder proporcionar essa oportunidade à cidade de Blumenau, a oportunidade de formação, sem que seja mais necessária essa mudança para Florianópolis.

Janaína Molinari, presidente da ASBLU, da Associação dos Surdos de Blumenau, falou sobre a necessidade de painel eletrônico para mostrar as senhas que são chamadas no atendimento nas unidades de saúde. Também falou sobre a necessidade de intérprete de LIBRAS para que os surdos possam receber atendimento tanto nos postos de saúde quanto nos hospitais, além de pedir informações nos terminais de transporte público. Disse que a disponibilização de um tablet para ligação para um intérprete da prefeitura já auxiliaria na questão. Apontou que muitos eventos em Blumenau, em especial na Vila Germânica, não têm acessibilidade para a população surda. Falou sobre cartazes com informações importantes para a população que podem contar com QR Code para acesso a um vídeo com um intérprete de LIBRAS para essa população. Já sobre o Parajasc, disse que a abertura contava com intérprete, mas o restante do evento não.

Liliane Soares, representando a Associação Blumenauense de Amigos dos Deficientes Auditivos, a ABADA, também falou sobre a dificuldade de acessibilidade da população surda em consultas médicas, dizendo que muitos não têm conhecimento sobre a central telefônica que conta com intérpretes, e por isso é importante difundir essa informação nas unidades de saúde públicas e clínicas privadas também. Disse que em alguns locais não é permitido o uso do tablet ou celular para ligar para a Central dentro do consultório médico, o que precisa ser resolvido para que a população surda possa ser devidamente atendida.

Bruna Cristina Gomes de Araújo e Daniel, secretária de Inclusão da Pessoa com Deficiência e Paradesporto, disse que a Secretaria tem apenas um ano e quatro meses, mas já fez um grande trabalho até aqui e quer ainda mais. “Ouvi-los essa noite é importante para saber qual a direção que a Seidep tem que tomar”, disse. Ela reconheceu a necessidade de melhorias nos editais para contratação de profissionais ACTs, disse que os vídeos nas redes sociais da secretaria em breve serão acessíveis aos surdos e se comprometeu a intermediar uma conversa entre a escola bilíngue e o Cemea. Comemorou o anúncio do curso de Letras com habilitação em LIBRAS na UFSC em Blumenau. Também disse que melhorias podem ser adotadas para que os próximos eventos na cidade, como o Parajasc, sejam mais acessíveis aos surdos. Falou da luta da secretaria pela existência de intérpretes dentro do Hospital Santo Antônio e que a secretaria quer que essa política esteja em outros hospitais da cidade.

Gisele Chirolli, ex-secretária e idealizadora da Seidep, lembrou de algumas conquistas alcançadas pela secretaria junto à comunidade surda, em especial no paradesporto. Disse que deseja que a Seidep cresça para que tenhamos mais pessoas com deficiência capacitadas para ocupar os espaços, seja na administração municipal, na Câmara de Vereadores ou em outras funções. Falou da capacitação de médicos e enfermeiros para o atendimento à população surda e sobre a difusão da informação acerca da existência da Central de Libras. Também disse que seu objetivo, quando propôs a criação da secretaria, é que a pasta cresça junto com as entidades, para que estas possam receber subvenções maiores, pois são essas entidades que fazem o trabalho da ponta do terceiro setor. Comentou ainda sobre a atuação da secretaria para fomentar a empregabilidade e o empreendedorismo da população surda.

O vereador Bruno Cunha ainda reconheceu o trabalho do presidente da Casa, Almir Vieira (Progressistas), na adequação das vagas de estágio e da estrutura da Câmara para pessoas com deficiência.

Marcela de Souza, representando o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Comped, relatou uma situação em que encontrou uma barreira de acessibilidade no atendimento dentro do INSS. Falou da necessidade de um painel com senha para chamar o paciente e também pediu por respeito e empatia da parte dos médicos. Defendeu o uso dos tablets para contato com a Central de Intérpretes de LIBRAS e também um curso básico de Libras para os profissionais que atendem no órgão. “Já está na hora de o INSS melhorar, crescer e se desenvolver na questão da adaptação das pessoas surdas. É uma instituição nacional, mas hoje nós somos prejudicados lá dentro. Nós não entendemos as informações, o médico às vezes não explica o que está acontecendo e eu sei que é desafiador, mas nós precisamos lutar”, assinalou.

Patrícia Manetta, representando a Sociedade Cultural Amigos do Centro Braille de Blumenau, ACBB, esclareceu que além de cega, tem deficiência auditiva, utiliza prótese auditiva e é mãe de um adulto surdo. Ela falou da dificuldade dobrada para quem tem mais de uma deficiência, mesmo com a utilização de prótese, em especial em ambientes com muito ruído. Reconheceu muitos avanços conquistados pelas pessoas com deficiência e comemorou os editais prevendo vagas para intérpretes e o curso de Letras com habilitação em LIBRAS na UFSC. Convidou a população surda a se aprimorar e ocupar todos os espaços, e defendeu que todas as pessoas com deficiência naturalizem a inclusão.

Walter Souza, representando o Conselho Municipal de Saúde, falou da necessidade de as demandas para a população com deficiência saírem do papel, e ressaltou que o Conselho está engajado nessa causa. Comentou sobre a falta de capacitação para profissionais da saúde da rede municipal para atendimento à população surda e uso da Central de Intérpretes de LIBRAS. Falou da dificuldade de atendimento e comunicação com pessoas com deficiência em sua atividade como motorista de aplicativo, e assinalou que é necessária dedicação em aprender para continuar prestando serviços. Ao final, colocou o Conselho Municipal de Saúde à disposição da comunidade surda.

Jolie Weber, ex-vereadora mirim de Blumenau, relatou que é filha de pais surdos e nasceu ouvinte, e falou sobre o ensino de LIBRAS nas escolas. Ressaltou a importância desse ensino para crianças, que têm mais facilidade de memorização, e também para inclusão de alunos surdos. Disse que muitos surdos relatam que sentiam solidão durante a fase escolar, pois ninguém conseguia se comunicar com eles, e falou de seu medo de que sua irmã surda também passe por isso. Disse que essa é uma questão de justiça e que irá lutar por essa causa.

Em seguida foi aberta a tribuna para falas de pessoas da comunidade. Um dos pontos levantados por Maiara foi a dificuldade de contato de pessoas surdas com serviços de emergência, como o SAMU e o Corpo de Bombeiros. Disse que além de um contato de WhatsApp da Polícia, é importante que os Bombeiros e o SAMU disponibilizem essa facilidade. Giovanni Manetta, que tem pessoas surdas na família, também defendeu mudanças para permitir o uso do celular em atendimentos do INSS. Falou de mudanças que podem ser feitas no site da Prefeitura de Blumenau para torná-lo acessível aos surdos e também aos cegos. Disse que todos os hospitais deveriam contar com intérpretes de LIBRAS. Pediu por melhorias na Lei 8.047/2014, para inclusão de mais entidades nos pedágios. Também defendeu a inclusão da categoria dos surdo-olímpicos no rol de beneficiários do Bolsa Atleta.

Roseane falou da dificuldade de encontrar cursos particulares presenciais com acessibilidade para surdos, pois a maioria são disponibilizados somente na modalidade à distância. João Pedro, que é intérprete, falou das demandas desses profissionais, destacando as exigências de formação para essa função, além da jornada máxima de trabalho e o regime de revezamento, ressaltando que as vagas ofertadas precisam estar de acordo com essas regras. Comentou ainda sobre a escassez de profissionais e a necessidade de formações continuadas para qualquer área de atuação a fim de suprir a demanda por intérpretes e tradutores de LIBRAS.

André Felipe do Nascimento, da Asblu, voltou à tribuna e pediu por um curso básico de LIBRAS para os servidores que realizam atendimentos na área pública, de médicos a bombeiros. Também falou que falta qualificação para os profissionais que atendem na Central de LIBRAS, cobrando formação para essas pessoas.

Ao final o vereador Bruno Cunha, em suas considerações finais, agradeceu a todos os presentes, sejam da comunidade surda, os intérpretes, representantes da sociedade civil e do poder público. Disse que foi uma noite muito proveitosa para que, juntos, seja possível avançar nessas políticas públicas. “Tudo aquilo que vocês estiveram falando, estivemos anotando aqui, ponto a ponto, para que a gente possa dar o devido encaminhamento e indicações a cada uma das secretarias”, comprometeu-se.

“Todas as pautas de todas essas categorias são fundamentais para que a gente possa construir uma cidade mais diversa, uma cidade plural, uma cidade onde todos sejam respeitados, e ela depende de todos nós”, disse, acrescentando que “a inclusão é a celebração do nosso potencial humano coletivo”.

A audiência pública pode ser acessada na íntegra pelo YouTube.

 

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