O futuro da juíza e da promotora de SC Pena máxima: afastamento com salário vitalício.

Em 20 de junho de 2022, publicamos o vídeo da audiência em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer pergunta a uma criança de 11 anos se ela suportaria manter uma gravidez decorrente de estupro “mais um pouquinho”. Um ano depois, exatamente no mesmo dia em que o caso da menina de Santa Catarina foi revelado na nossa reportagem, a magistrada finalmente está na mira da justiça. Na última terça-feira, o Conselho Nacional de Justiça decidiu – por unanimidade – abrir um Processo Disciplinar Administrativo contra Zimmer por desvio de conduta.

Desde a reportagem, a juíza segue exercendo a magistratura. Ela se afastou da 1ª Vara Cível da Comarca de Tijucas, e, após ser promovida, passou a atuar na 2ª Vara Cível de Brusque, também em Santa Catarina. Só agora o CNJ começou a avaliar sua conduta naquela audiência – e as falas dos conselheiros são reveladoras.

“Constata-se a existência de elementos indicativos de desvio de conduta da juíza Joana Ribeiro, por meio da qual, em aparente conluio com a promotora Mirela [Dutra Alberton, do Ministério Público estadual], procedeu desvirtuamento do instituto do acolhimento institucional de modo a subjugar a vontade lícita da criança no sentido de interrupção da gravidez decorrente de ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável”, argumentou o relator do caso, o corregedor nacional de justiça, ministro Luis Felipe Salomão, com base nas imagens divulgadas pelo Intercept e Portal Catarinas.

“Temos um estado laico e um poder Judiciário que deve ser independente de crenças religiosas. A abordagem da magistrada, a abordagem da integrante do Ministerio Público deste caso, a promotora, é uma abordagem de um extremismo religoso que claramente é contra o aborto”, disse o advogado Nuredin Allan no começo da audiência, representando a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que pediu a investigação.

Ainda segundo Allan, a juíza teria violado a lei 13.431 de 2007, que trata da escuta especial em audiências envolvendo crianças, para garantir a proteção e o cuidado das vítimas, e a lei 14.245 de 2021, também conhecida como Lei Mariana Ferrer, que prevê que os presentes em uma audiência devem zelar pela integridade física e psicológica das vítimas de violência. A lei foi apresentada também na esteira de outra reportagem do Intercept, a que revelou a vexação à qual Ferrer foi submetida em uma audiência.

Na reunião do CNJ, a juíza Zimmer foi representada pela advogada Samara Léda, da Associação dos Magistrados do Brasil e de Santa Catarina. Léda usou seu tempo de fala para atacar os veículos jornalísticos que cobriram o caso. Disse que a reportagem foi publicada “de forma criminosa” e com “título apelativo”. O título é uma frase da própria juíza dita durante a audiência.

O posicionamento dos conselheiros, no entanto, foi em prol dos direitos da menina. “A lei não autoriza jamais um juiz a cometer violência emocional, moral e psicológica a uma criança de 10 anos, que além de ter sido vítima de violência brusca, estupro de vunerável, além de estar com corpo debilitado, sem saber o que está ocorrendo, é separada da mãe, levada a um abrigo e fica 39 dias à espera do desfecho do caso”, discursou a conselheira Jane Granzoto Torres da Silva.

Em concordância com os colegas, o conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues afirmou que Zimmer foi parcial. “A magistrada quebrou a imparcialidade que deve reinar na atividade jurídica e, se é assim, não importa se ela não está mais na vara de infância, é questão de perfil, é questão de manutenção da magistratura. E se ela não é imparcial, ele não deveria manter-se na função”. Já o conselheiro Marcello Terto e Silva classificou como “perverso” o ato de “um adulto se dirigir a uma criança e colocar no colo dela a responsabilidade por um aborto”.

Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que também integra o conselho, aproveitou a ocasião para chamar a atenção dos membros do CNJ para a perseguição às advogadas Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues, indiciadas sem provas pela polícia de Santa Catarina, conforme noticiamos em parceria com o Catarinas. “As advogadas foram indiciadas por uma suposta quebra de sigilo. Qual a função do sigilo neste caso? É proteger a vítima. A quebra desse sigilo, me arrisco a dizer, foi uma medida que se lançou à vítima para se proteger contra uma violência institucional”.

Logo após a publicação da primeira reportagem sobre o caso, o Conselho Nacional do Ministério Público também abriu um procedimento para investigar a conduta da promotora Mirela Dutra Alberton. De acordo com o órgão, o processo tramita sob sigilo. Além disso, em 2022, a Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina instaurou um pedido de análise da conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, mas informou à reportagem que agora “a apuração está sendo feita privativamente pelo CNJ, por decisão daquela Corte”.

Ao instaurar o processo, o CNJ também poderia tê-la afastado de suas funções como magistrada, mas não o fez, sob o argumento de que Zimmer já não atua mais na Vara da Infância e Juventude. De acordo com os especialistas ouvidos pelo Intercept, a próxima etapa é a manifestação de Zimmer e do Ministério Público, e o processo pode levar meses ou anos, sem limite de tempo pré-definido. 

“O tempo médio de duração de um processo disciplinar no CNJ pode variar dependendo da complexidade do caso, das provas a serem analisadas, da necessidade de diligências adicionais e de outros fatores”, explicou a advogada Melissa Fachin, chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná.

As sanções possíveis à juíza são advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade e aposentadoria compulsória. Tanto Fachin quanto o doutor em direito Fernando José Gonçalves Acunha avaliam que a pena mais adequada ao caso seria a mais grave prevista na legislação brasileira: a aposentadoria compulsória com ganhos proporcionais ao tempo de serviço. Ou seja, Zimmer seria afastada do trabalho com salário vitalício.

 

FONTE : Jess Carvalho
Editora e Estrategista do Portal Catarinas

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